quarta-feira, 21 de março de 2012

Os Pioneiros - A Origem da Música Sertaneja de Mato Grosso do Sul

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Este é o meu primeiro livro. Trata da geração de autores que fundou na década de 50 a música de MS.
Estou disponibilizando o livro na íntegra exclusivamente no Overmundo. Espalhem por aí.
Boa leitura!

Depoimento Paulo Simões





Divulgação: internet











No final dos anos 50 e início dos 60, Campo Grande limitava-se a três vertentes: música paraguaia e latina nas churrascarias e festas em fazendas e, eventualmente, festas em Campo Grande; grupos de baile que tocavam pout-pourri de tudo e a música sertaneja, que se limitava a alguns programas de rádio ao vivo. E eu ia a Rádio PRI-7.

Churrasco em fazenda/ divulgação:internet


Música paraguaia/divulgação internet


Música paraguaia/divulgação internet


Era um programa dominical. Eu ia à missa cedo para ficar desobrigado e passava na PRI-7 ou Educação Rural. Assisti muitos shows de Délio e Delinha. Devo ter visto Zé Corrêa, mas não lembro.

Délio e Delinha (Casal de Onça do Pantanal e do Mato Grosso do Sul)


Zé Corrêa ( O pioneiro do chamamé em Mato Grosso do Sul e no Brasil)

O rádio era muito importante porque não havia TV. Todo mundo ouvia rádio. Uma das lembranças mais vivas disso era acordar para ir a escola e já se ouvia o rádio em volta. Porque não tinha trânsito, barulho... E eram os programas sertanejos, com Juca Ganso. Eu saía de casa na altura da Avenida Afonso Pena e ia pela Rui Barbosa até o Dom Bosco a pé. Eu ia escutando o rádio.
foto de Juca Ganso

A rua vazia e passava a carroça vendendo leite. Era o ‘streamming radiofônico’ até a escola. Lá dentro que se fechava o canal. E eu ia escutando música sertaneja.
Não sei se os amigos meus prestavam atenção. Eu gostava de ouvir música.

A música sertaneja e paraguaia tem tanta importância no trabalho e na musicalidade dos músicos que foram criados em Campo Grande pelo fato de que quando se escuta música nos primeiros anos de sua vida, você não racionaliza, apenas ouve. É totalmente sensorial e penetra fundo, mesmo sem se saber se esta música é moderna, boa ou ruim...

Pode ser que o patamar esteja diminuindo, certamente está, porque tudo é mais precoce, mas na minha época, até os oito ou nove anos, escutava música como escuta hoje motor. Algo que estava em volta. O que está no cerne da musicalidade é o que se escutou quando criança mais o que se escutou e gostou. Nunca é uma coisa ou outra.

Eu ia ver Délio & Delinha e Amambay & Amambaí porque tinham esta relação de público e palco. Era música ao vivo no formato show. Não era grupo tocando para nego dançar ou comer. Era autoral e aquela coisa com público, palco e aplausos.
Lembro mais dos shows que eu vi na Educação Rural. Na época que era na Rui Barbosa, entre Dom Aquino e Cândido Mariano, na Casa do Bispo, que era grande e a rádio funcionou lá uma época. Tinha um auditoriozinho. E também tinha o auditório da PRI-7, que era na Calógeras.


Depoimento de Juca Ganso sobre assassinato de Zé Corrêa

Uma das poucas pessoas que estavam na sede da Educação Rural quando aconteceu o assassinato de Zé Corrêa era o seu amigo e parceiro profissional Juca Ganso. O locutor Carlos Achucarro, naquele ano de 1974, era com certeza uma unanimidade e o radialista mais famoso do Sul de Mato Grosso.

O programa ‘A Hora do Fazendeiro’, que estreou em 1965, era o principal meio de comunicação da população do Estado, em especial a envolvida com fazendas. Ou seja, a maioria.
Seu bordão, ‘quem ouvir, por favor avisar’ se tornou um clássico radiofônico regional. Juca explicou que já fazia um programa com Zé Corrêa antes de haver o ‘entreveiro’ trágico de 1971 envolvendo o cunhado do músico. E que só quando o sanfoneiro foi considerado inocente pela Justiça que decidiu ir na rádio anunciar a decisão judicial que se arrastava desde 1971. Ele próprio avisou que o programa ao lado de Juca Ganso seria em uma terça-feira, que acabou sendo o dia de sua morte. O radialista relembra algumas passagens com o amigo e o dia fatídico, em que ele estava esperando por Zé Corrêa para o retorno do, naquele momento, maior astro da música sul-mato-grossense, aos 29 anos.

Juca Ganso: Ele ficava na casa dos tios dele na Av. Mato Grosso, que tinha ‘gordurami’. Ele ficava escondido lá. Eu, Ado, Amambay e Amambaí, a turma do sertanejo, ia tocar violão, cantar e biritar com ele. Depois o Zé Corrêa se mandou. Uma noite eu estava aqui em casa e veio o Amambay e Amambaí dizendo que tinha um camarada na caminhonete que queria me conhecer. Eu disse que era para chamar a pessoa para entrar, mas pediram para eu ir lá porque ele não iria sair do carro. Fui lá fora, chego e era o cara do volante. Falei que não conhecia. O cara era cabeludo e estava olhando para frente. Insisti que não conhecia e o cara virou e falou: ‘Não me conhece não seu...’ e disse aquele palavrão. Era o Zé Corrêa de peruca. “Rapaz o que você está fazendo aqui? Você é de lascar o crânio!”. E ele: “Tem que andar né Juca!”. Esta foi uma das passagens dele comigo.

Passou um tempo e o advogado dele era o Doutor Nelson Trad. Checaram a situação e deram o habeas corpus dele no processo que corria e que tinha causado toda a encrenca. O Zé Corrêa ficou muito eufórico porque tinha sido considerado inocente. Ele foi na Rádio Educação Rural e anunciou no microfone que o ‘Doutor Nelson Trad tinha liberado’ e ele ‘estava livre’. E anunciou que iria voltar na próxima quarta com o ‘Programa Zé Corrêa e Seus Grandes Sucessos’. Este programa eu e ele fazíamos juntos antes dele ter o ‘problema’. Ia sempre também o Amambay & Amambaí.
Eu iria apresentar o programa da volta dele. Era uma quarta-feira de abril de 1974 e a rádio anunciando que ‘hoje às 20 horas apresentação do Programa Zé Corrêa ao vivo’. E ele foi para casa de umas amigas lá no alto da Rua 26 de Agosto. Ele estava eufórico e chamando as meninas para irem juntas para o programa. Elas não quiseram, falando que iam escutar de casa mesmo e tal.

O Zé Corrêa chegou e encostou no portão da Rádio Educação Rural, que ficava na Mário Pinto Peixoto, uma rua estreita e escura e tinha uma máquina de arroz, Rincão, na esquina. Eu já estava lá na rádio desde antes. Aos 18h, eu tinha apresentado o programa de variados sertanejos e tal.
Estava eu, o recepcionista da noite, o saudoso Délio Nascimento e um amigo de Brasília que tinha ido me visitar. Eu estava fazendo o programa até chegar a hora do Zé. Fazia os comerciais, chamava as músicas e ia bater papo com meu amigo. E o pessoal da rádio conversando na portaria, contando piada e nem imaginando o que iria acontecer.
Um cara chapeludo chegou na rádio e pediu a caixinha de perdidos e ficou procurando documento. Só tinha duas residências na rua. Um fazendeiro que morava na frente e o vizinho do lado, o Seu Barreto. Ficou um homem em frente da casa do fazendeiro, outro na árvore em frente da rádio, outro na porta e o outro lá dentro procurando documento. Já estava tudo armado e sem ninguém sonhar com nada.

Umas quinze para as oito o Zé Corrêa chegou. Ele encostou o carro e parou no portão grande que pertencia ao quintal da máquina de arroz. Não deu tempo nem dele descer do carro. Eu estava com o amigo, Afonso. E a ‘pipoca’ comeu. Perguntei o que era pro meu amigo e ele: ‘Acho que é bala Juca’. Fomos para um estudiozinho lá dentro e era bala mesmo. Acabaram os tiros e veio um barulho de motor que arrancou. Era uma caminhonete C-10 cheinha de bandido. Deixaram o carro do Zé como se tivessem atirado de metralhadora. Todo mundo foi saindo devagarinho e veio o senhor do açougue da 14 de Julho e me disse: ‘Você viu quem que é?‘. ‘Quem?’. “Zé Corrêa!’. ‘Quê?’ Fui no carro e estava tão escuro que ele riscou um fósforo para eu ver que era o Zé mesmo. Ele estava caído entre o meio fio e o carro.

Estava eu e o Ciro Nascimento. Ele chamou a rádio patrulha pelo ar. ‘Estamos chamando a rádio patrulha com urgência na Rádio Educação Rural, houve um crime aqui na frente agora’. Não falou que era o Zé, mas daqui a pouco já tinha muita gente em frente a rádio. Eu fiquei transtornado. Não sabia o que fazia.

Veio ambulância e levou o corpo para a Santa Casa. Já estava morto. Eu peguei a ‘magrelha’ e fui a Faculdade Dom Bosco, onde o Doutor Airton Guerra, nosso diretor, estava fazendo Direito. Eu disse: ‘Mataram o Zé Corrêa na frente da rádio. Vim saber o que a gente faz. Tira do ar a rádio?’ E ele. ‘Não. Coloca só música e continua amanhã normal’. Foi uma das minhas passagens mais dramáticas no rádio.

VERSÃO INTEGRAL NO PDF


Sobre a obra

Os Pioneiros – A Origem da Música Sertaneja de MS’ enfoca a primeira leva de compositores do Sul de Mato Grosso. O livro trata de artistas que, a partir da década de 50, deram os primeiros passos para criar a música sul-mato-grosssense.

O autor Rodrigo Teixeira entrevistou os protagonistas desta história, reuniu dezenas de fotografias e organizou uma discografia com mais de 100 discos. ‘Os Pioneiros’ é um mergulho na gênese da história da música de Mato Grosso do Sul!

Donos de uma obra extensa e que necessita de um estudo mais detalhado de análise musical, Délio e Delinha, Zacarias Mourão, Amambay e Amambaí, Zé Corrêa, Beth e Betinha, Jandira e Benites, Maciel Corrêa, Adail e Tesouro, Ado e Adail, Tostão e Guarany, Aurélio Miranda e Victor Hugo de La Sierra foram alguns dos artistas que ajudaram a transformar o Mato Grosso do Sul em um celeiro de talentos musicais de primeira...

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